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segunda-feira, 5 de setembro de 2022


ABAÍBA 
Em Minas Gerais, existe um lugar de nome diferente: Abaíba! É um lugar importantíssimo para mim! É meu refúgio e santuário. Aonde ia para renovar as minhas forças, e encontrar metade das minhas origens, e da minha história. Onde eu tenho minhas raízes e meu coração. 
Durante anos deixei de ir lá. E há poucos, retornei, mas tenho a sensação de que foi um retorno de despedida.
No primeiro dia desse mês de setembro, no ano da graça de 2022, o último baluarte de Abaíba partiu. Tia Orly era a história viva de Abaíba. Tia Orly conhecia cada palmo daquele chão, literalmente! Desde a Fazenda Abaíba até o cemitério da cidade. Minha prima Andréa dizia que Tia Orly tinha o mapa do cemitério na cabeça! Sabia quem estava enterrado e aonde, e decor.  
A história de Abaíba se mistura com a da Tia Orly, e vice-versa. E, de alguma forma, minha história também. 
Lá era o lugar onde eu me sentia livre e segura. Meus primos e eu tínhamos Abaíba como nosso quintal de brincadeiras. Lá, era eu que era a capial, em sentido contrário😊! A menina da cidade grande que ficava com medo de uma simples galinha, que não gostava das brincadeiras dos primos (também! eles brincavam de tacar besouro morto uns nos outros!!!😳), que ficava cheia de "não me toques" para andar pelos trilhos do trem, no meio do mato cheio de carrapatos! Minhas primas que moravam lá, adoravam me assustar com as histórias do cavaleiro sem cabeça, do homem das folhas etc. Essas histórias eram contadas no pequeno coreto da praça...à da meia-noite!!! Entenderam meu terror? 😬
Mas uma coisa era certa: o leite de lá (puro, direto da vaca, chegava na casa da Tia Orly ainda quente) não me dava dor-de-barriga como se podia pensar. Só que eu não gostava da nata. Então, Tia Orly separava uma jarra de leite sem nata e colocava na geladeira. Tia Orly dizia que eu parecia uma bezerrinha, de tanto leite que eu tomava! 
Foi em Abaíba que aprendi a cavalgar! Quer dizer, a montar em um cavalo! Eu era pequena, meu Tio Jairo me colocou em cima do bicho (um lindo cavalo branco, mangalarga marchador, de nome Fuzil) e disse para eu bater com os pés na barriga dele para ele andar. Acontece que eu devia ter uns oito anos na época e uns 40 quilos (se muito)! Demorou um pouco para meu tio perceber que o cavalo não sabia que tinha alguém em cima dele😂!! Então, com uma palmada, fez o bicho andar. Pensei que ia desmaiar de tanto medo e entusiasmo!
À noite, fria como sempre, o pessoal se reunia em torno do fogão de lenha da casa da Tia Orly, e contava os "causos"! 
Abaíba era só alegria...até a morte do meu pai! Foi a primeira e única vez que Abaíba me trouxe tristeza. Depois disso, ainda fui umas duas vezes lá, mas depois parei. Era difícil não lembrar. Além disso, meus primos cresceram, se casaram, tiveram filhos. Ficamos adultos. Não dava mais para brincar de polícia e ladrão pela cidade. Cada um tinha sua vida. 
Mas Abaíba ainda era meu lugar. Ainda continha Tia Orly. Agora não mais. 
Eu não tenho o mapa do cemitério na cabeça. Não sei onde meu pai, tios e Tia Orly estão enterrados, mas sei que é lá, em Abaíba, onde também está o meu coração. 
Agora, Abaíba e Tia Orly estarão vivas somente nas minhas memórias, na minha história. Elas fazem parte dessa história, estão escritas na minha biografia, vivem para sempre...
Que aperto no coração
Ao deixar meu lugar
Suas estradas, seu luar
O perfume do seu ar

Que aperto no coração
Ao partir sem meus amigos de farra
Ao lembrar da nossa algazarra
Nosso pique, nossa garra

Que aperto no coração
No adeus do meu mineiro
Do seu jeito meio roceiro
Dos seus olhos, do seu cheiro

A paz que muito senti
Não tem em nenhum lugar, só ali
Só no meu lugar que nunca esqueci

Agora sei que chorarei
A saudade dói, mas esperarei
Ah! Abaíba, um dia voltarei.

(Escrito por Nairlene Brasil - por volta da década de 80, entitulado: Abaíba)