OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO
Quando eu era adolescente e estava no meu (antigo) 2º grau, minha escola fazia com que lêssemos um livro por semestre e depois tínhamos que fazer prova sobre o livro. Era difícil para um bando de crianças na época. Mas valeu demais porque aprendi a gostar de livros (não e-books), aprendi a escrever e aprendi o valor dos grandes autores.
Recentemente, tive vontade de fazer algumas releituras. Comecei com o livro que achei o mais difícil na época: O Ateneu, de Raul Pompéia. Li, e ainda achei difícil! Mas, pelo menos, compreendi melhor a história!...eu acho...
Agora estou relendo um clássico de Érico Veríssimo (um dos meus escritores prediletos e pai de outro escritor que amo: Luis Fernando Veríssimo). Estou relendo "Olhai os Lírios do Campo".
É um romance maravilhoso e, de certa forma, muito atual (embora tenha sido escrito em 1938!). E relendo, me deparei com um trecho fantástico do livro! (E agora me permitam um "spoiler", mas não deixem que o "spoiler" lhe tire a vontade de ler o livro. Vale a pena!).
O texto é uma carta da personagem Olívia para seu amado Eugênio, que a deixa para ele após a sua morte. Olívia sabia que Eugênio era inseguro com tudo e também com respeito a Deus. Eugênio se dizia ateu, mas na verdade era um revoltado com Deus por conta de sua vida pobre e humilhante. Olívia, ao contrário, cria em Deus a ponto de ter uma vida feliz, embora também fosse moça pobre.
O texto dessa carta, quando li o livro pela primeira vez, me levou por curiosidade a ler o texto da Bíblia ao qual ele se referia, no entanto, não ficou bem nítido o sentido porque eu tinha 15 anos e, apesar de não ser ateia como Eugênio, eu não era muito religiosa. Mas achei o texto bonito e romântico, só não percebi a profundidade das palavras de Jesus, na ocasião.
O texto ao qual Olívia se refere, se encontra no Evangelho de Mateus, capítulo 6, versículos 28 e 29. Vale a pena ler o texto todo, chamado Sermão do Monte que vai do capítulo 5 ao 7. Nesse texto Jesus fala sobre as ansiedades da vida e nos tranquiliza dizendo que Deus conhece tudo o que precisamos, basta que olhemos o que ele criou e como cobriu sua criação de bênçãos sem fim.
"Olhai os lírios do campo" é uma exortação para que vejamos a glória de Deus na natureza e, também é uma prova de sua existência.
Na carta de Olívia, Érico Veríssimo coloca com mestria (é óbvio) sua interpretação desse texto.
Melhor transcrevê-lo:
Primeiro Olívia fala sobre o ateísmo, tentando fazer Eugênio entender que existe sim um Deus e que o mal vem de nós e não Dele:
Deus é tão poderoso que está presente até nos pensamentos dos que dizem não acreditar na sua existência. Nunca encontrei um ateu sereno. Eles se preocupam tanto com Deus como o melhor dos deístas.
O argumento mais fraco que tenho contra o ateísmo é que ele é absolutamente inútil e estéril; não constrói nada, não explica nada, não leva a coisa nenhuma.
Mais adiante, Olívia fala sobre os lírios do campo:
Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus fala sobre os lírios do campo que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles.
Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer uma pausa para olhar os lírios do campo e as aves do céu
Lindo, não? Acho que devíamos presentear muitas pessoas (dentre as quais os políticos) com esse romance, já que, para alguns que se dizem "ateus" e outros simpatizantes de Cristo é muito custoso ler a Bíblia. Quem sabe, por pura curiosidade, como eu fiz, eles queiram ler o Sermão do Monte...o resto é com o Espírito Santo!